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Rafeiros

um argumento de
Rita Duque
ilustrado por
Sara Boiça

Perto do seu vigésimo sexto aniversário, uma atriz atormentada encontra consolo numa amizade precoce, mas quando essa conexão se torna a sua única âncora, a busca pela paz ameaça afundá-la cada vez mais no seu próprio caos.

1. EXT. ESTAÇÃO DE COMBOIO – NOITE
RUTE (25) está de pé à espera do comboio numa das plataformas. Fala para alguém que não vemos.

 

RUTE
Sabes, acho que vais encontrar
uma miúda linda. Com cabelo longo,
olhos verdes. Que adora os mesmos
filmes e livros que tu adoras.

 

Rute começa a chorar.

 

RUTE (CONT’D)
E que vai lá estar
sempre que precisares.

 

Rute prepara-se para partir.

 

RUTE (CONT’D)
Desculpa, Pedro.

 

Rute vira-se e vai embora.

 

PAULA
Corta.

 

Revela-se uma pequena equipa de filmagens. PAULA (30), realizadora. RICARDO (26), diretor de fotografia. CHICA (28), gaffer. CATARINA (24), diretora de som. TOMÁS (26), ator.
Algumas palmas cansadas. Ouve-se um “it’s a wrap”, e a resposta “é um wrap só se for para ti”. A equipa começa a arrumar o material de filmagem.

 

2. EXT. BAR DA PRAIA – NOITE, ALGUM TEMPO DEPOIS
A equipa está sentada numa esplanada na praia. Estão lá todos menos Chica. Ouve-se reggaeton a tocar dentro do bar.

 

CATARINA
Eu não cortei. Eu tenho
tudo o que eles disseram.

 

RICARDO
Não é que pudéssemos usar isso
contra eles se eles resolvessem
chamar a polícia. Não tínhamos
autorização.

 

TOMÁS
Eu falei com o chefe da estação ao
telefone há uma semana. Até me
deram uma declaração.

 

PAULA
Essa autorização era só
para segunda-feira.

 

RICARDO
Ou seja, tivemos sorte. Foste só tu
que gastaste sete minutos de fita.

 

CATARINA
Isto vai para biblioteca.

 

TOMÁS
E vocês, agora?

 

RICARDO
Trabalho.

 

PAULA
Tese.

 

CATARINA
Manter a bolsa para o mestrado.

 

TOMÁS
(para Rute)
E tu, qual é o plano?

 

RUTE
Vou continuar com o part time em
casa, o horário é livre. Não sei,
ando a escrever umas coisas.

 

RICARDO
Algum material de stand-up?

 

RUTE
Vou tendo ideias.

 

RICARDO
Quantas sobre suicídio?

 

RUTE
Todas.

 

3. INT. QUARTO – TARDE, DIAS DEPOIS
Rute está a trabalhar no computador. Recebe uma mensagem de Ricardo. É alguma piada. Trocam mensagens:
Rute: “A Chica já voltou?”
Ricardo: “Está aqui no escritório comigo.”
Rute: “Manda-lhe um olá.”
Ricardo: “Anda beber um fino logo – Chica.”
Rute: “Avenida de Francelos, 679. Venham buscar-me.”

 

4. EXT. BAR DA PRAIA – FIM 4 DE TARDE, MESMO DIA
Rute, Ricardo, e Chica sentam-se na esplanada na praia.

 

RICARDO
No fim calaram-se a ouvir-me a mim
e a ela a falar de coisas sérias.

 

RUTE
Sérias como quem diz.

 

RICARDO
Amanhã eu e a Chica vamos ao ténis.

 

RUTE
Vocês jogam ténis?

 

CHICA
Só uma vez por semana.

 

RICARDO
Depois do trabalho.

 

RUTE
A essa hora acho que não posso.

 

RICARDO
Vais deixar os teus novos melhores
amigos pendurados?

 

RUTE
Até alinhava mas tenho de—

 

RICARDO
Estou a brincar, mulher.
Passa a vida a justificar-se.

 

CHICA
Quinta vamos sair.
Há uma festa Pride nos Maus.

 

RUTE
Alguma hipótese de isso se tornar
numa festa de aniversário?

 

CHICA
Fazes anos na quinta?

 

RICARDO
Vamos ao Pixote. E amanhã depois do
ténis vamos ao Bingo e cantamos
os parabéns à meia noite.
Queres melhor?

 

RUTE
Que me venham buscar.

 

RICARDO
Vês? Já acha que somos pais dela.

 

5. EXT. CAMPO DE TÉNIS – FIM DE 5 TARDE, DIA SEGUINTE
Chica e Ricardo jogam. Rute está sentada no banco a vê-los jogar. Eles acabam e Ricardo vem ao banco para trocarem.

 

RICARDO
Tu cancelaste o que tinhas
só para vires ao ténis connosco?

 

RUTE
Fiquei tentada.

 

RICARDO
Era importante?

 

RUTE
Nem por isso.

 

Rute dirige-se para o campo oposto a Chica.

 

RUTE (CONT’D)
Quem serve?

 

CHICA
Tu!

 

Rute serve e a bola bate na rede. Ela começa a disparatar como uma criança. Chica ri-se e Ricardo filma.

 

RUTE

Foda-se!

6. INT. BINGO – NOITE, MESMO DIA
Ricardo, Chica, e Rute estão sentados numa mesa, cada um com o seu cartão e caneta. Eles permanecem em silêncio enquanto ouvem os números que vão sendo ditados.

 

MULHER (O.S.)
Vinte e seis. Dois, seis. Três.
Número três.

 

HOMEM (O.S.)
Linha!

 

RUTE
Fogo, ainda só tinha dois.

 

A mulher continua a ditar números à sorte até que uma OUTRA MULHER (O.S.) grita “bingo”. Rute, Ricardo, e Chica pousam as canetas desapontados. Ricardo vê as horas.

 

RICARDO
E pronto. Feliz aniversário!

 

CHICA
Parabéns, Rute!

 

RUTE
Obrigada.

 

CHICA
Nem trouxe bolo nem nada…

 

Rute faz sinal ao EMPREGADO, que vem até à mesa deles.

 

RUTE
Tem alguma coisa para comer?

 

EMPREGADO
Temos salgados, azeitonas—

 

RUTE
É que é o meu aniversário, e
estávamos a tentar perceber se
poderia oferecer alguma coisa.

 

O Empregado fica um pouco confuso, mas até acha piada. Afasta-se da mesa deles. Ricardo, Chica, e Rute controlam os risos.
O Empregado volta com alguns rissóis e tremoços.

 

RUTE (CONT’D)
Obrigada!

 

EMPREGADO
Ora essa.

 

O Empregado afasta-se.

 

CHICA
Não havia necessidade.

 

RICARDO
Não é que eu seja rico, mas ainda
tenho dinheiro para rissóis.

 

RUTE
Já se sabe. Mas tem piada.
Vá, não vai ficar aí.

 

7. EXT. RUA – NOITE, ALGUM TEMPO DEPOIS
Ricardo, Chica, e Rute sobem a rua.

 

CHICA
Última e vamos?

 

RUTE
O Pipa tem esplanada lá atrás.

 

8. EXT. ESPLANADA DO PIPA VELHA – NOITE, ALGUM TEMPO DEPOIS
Ricardo, Chica, e Rute estão sentados numa mesa a beber uma cerveja. Dentro do bar passa um rock clássico.

 

RICARDO
Eu e ela pensávamos que
nos odiavas antes da rodagem.

 

RUTE
Nem sabia quem vocês eram.

 

CHICA
Sim, mas tínhamos trabalhado
naqueles dois projetos que pronto.

 

RUTE
A Paula disse-me.

 

RICARDO
Podias estar ressentida.

 

Rute acena que não com a cabeça.

 

RICARDO (CONT’D)
Que não estás isso já percebemos
porque não nos largas.

 

RUTE
Devíamos ir.

 

RICARDO
É?

 

CHICA
É. Siga.

 

RICARDO
Eu acho que eles não apontaram
metade do que a gente bebeu.

 

Rute agarra no cartão com a lista das bebidas por pagar.

 

RICARDO (CONT’D)
Dá cá isso.

 

Rute ignora-o e atravessa o bar até à porta de saída.

 

9. EXT. RUA – NOITE, LOGO A SEGUIR
Rute desce a rua. Ricardo e Chica seguem-na.

 

RICARDO
(rindo-se)
Ouve lá, que é que te deu?

 

RUTE
Vim-me embora.

 

CHICA
(rindo-se também)
Sem pagar?

 

RUTE
Pois.

 

RICARDO
Deus do céu.

 

CHICA
Bem, nunca mais lá ponho os pés.

 

RUTE
Vamos todos levar-me a casa?

 

RICARDO
Que remédio, a Chica
deixou lá o carro.

 

CHICA
Ei, pois foi.

 

10. INT. CARRO – NOITE, 10 ALGUM TEMPO DEPOIS
Ricardo acabou de estacionar em frente ao prédio de Rute.
Chica está sentada no lugar do passageiro, Rute atrás.

 

RUTE
Posso pôr uma música antes de irem?

 

RICARDO
Pel’amor de Deus…

 

Rute põe música a dar. Os três ficam em silêncio. A música vai crescendo.

 

MATCH CUT TO:

 

11. INT. QUARTO – MANHÃ, DIA SEGUINTE
A mesma música continua. Rute acorda e bebe água. Pega no telemóvel, manda uma mensagem a Ricardo: “que sarda”. Depois recebe uma mensagem da sua mãe: “muitos parabéns, filha”.

 

12. INT. PIXOTE – NOITE, MESMO DIA
Ricardo, Chica, e Rute estão sentados numa mesa. A música toca alto. Os clientes sobem ao palco e cantam à vez.
TIAGO (37), manager do karaoke, vai ao palco no fim de uma das músicas e pega no microfone.

 

TIAGO
Muito bem, pixotes. Agora vamos ter
no palco — esperem lá que eles têm
nome — vamos ter os Rafeiros!

 

CHICA
Calem-se.

 

RUTE
É um bom nome.

 

RICARDO
Cristo.

 

Ricardo, Chica, e Rute sobem ao palco. O instrumental da música toca. Eles divertem-se. O bar todo canta com eles.

 

MATCH CUT TO:

 

13. INT. PIXOTE – NOITE, ALGUM TEMPO DEPOIS
A música transita para o tema original. O karaoke acabou e agora toda a gente dança. Rute, Ricardo e Chica divertem-se, bebem e brincam.

 

14. INT. CARRO – NOITE, ALGUM TEMPO DEPOIS
Ricardo conduz. Chica está sentada no lugar do passageiro.
Rute está sentada no banco de trás.

 

RUTE
Desculpa, Chica. Acabámos
por não ir aos Maus.

 

CHICA
Deixa lá.

 

RUTE
A que horas é que vocês vão amanhã?

 

RICARDO
Cedo.

 

RUTE
Quando é que voltam?

 

RICARDO
Vai ser uma semana.

 

RUTE
Pensei que era uma coisa rápida.

 

RICARDO
Precisamos de férias desta amizade.

 

RUTE
Calhou bem então.

 

Os três riem-se.

 

RICARDO
Nós ligamos-te.

 

FADE TO BLACK.

 

15. INT. QUARTO – TARDE, DIAS DEPOIS
Rute trabalha no computador. A dada altura, levanta-se e anda pelo quarto. Pensa. Depois vai à janela e fuma um cigarro.

 

CHICA (V.O.)
Como é que é?

 

MATCH CUT TO:

 

16. INT. SALA – NOITE, MESMO DIA
Rute está sentada no sofá, com o telemóvel em cima da mesa virado para ela, em vídeo-chamada com Ricardo e Chica.

 

RUTE
Nada de especial.

 

RICARDO (O.S.)
Já acabaste por hoje?

 

RUTE
(mostrando a cerveja)
Não dá para ver?

 

RICARDO (O.S.)
(mostrando a sua cerveja)
Nós também.

 

RUTE
Como é que está a correr?

 

CHICA (O.S.)
Vai indo. É o que é.

 

RICARDO (O.S.)
Está a correr bem.

 

CHICA (O.S.)
Como é que estás?

 

MATCH CUT TO:

 

17. INT. QUARTO – FIM DE TARDE, DIAS DEPOIS
Rute está sentada na cama, apática.

 

RUTE (V.O.)
Bem.

 

RICARDO (V.O.)
Está deprimida porque
a abandonámos.

 

A apatia vai-se desfazendo.

 

RUTE (V.O.)
(rindo-se)
Exato. Instala-se
o medo e a dor.

 

CLOSE-UP NO TELEMÓVEL DE RUTE, VÊ-SE A CONVERSA COM RICARDO.
Lê-se uma mensagem de Rute: “voltam hoje, certo?”. Ricardo envia uma fotografia de Chica a conduzir.

 

17. EXT. TELHADO 18 – NOITE, MESMO DIA
Rute e Ricardo estão no telhado do prédio de Rute. Bebem uma cerveja.

 

RUTE
A Chica?

 

RICARDO
Foi ter com a Maria.

 

RUTE
Não tinham acabado?

 

RICARDO
Elas estão sempre nisso. Então
agora que a Maria vai embora.

 

RUTE
Vai embora para onde?

 

RICARDO
Para os Açores. Ela é de lá.

 

RUTE
Certo.

 

RICARDO
Amanhã vamos ao cinema os três.

 

RUTE
Ver o quê?

 

RICARDO
É um antigo já. Não me lembro
do nome. Como é que estás?

 

RUTE
Na mesma.

 

RICARDO
Então?

 

RUTE
É difícil explicar, sei lá. É tudo.

 

RICARDO
Tudo é muito.
Depois dói-te a cabeça.

 

RUTE
Não dá para evitar.

 

RICARDO
Não estás focada. Estás só a fazer
coisas aleatórias para sobreviver.
Não estás a fazer aquilo que
queres. É uma merda. E nem sabes
quanto tempo é que vais ficar
assim. Mas não é uma coisa má.
Acho que o que estás a sentir é
exatamente aquilo que é suposto
sentires.

 

RUTE
Eu às vezes estou cheia de energia,
mas outras vezes acordo tão em
baixo, e fico na cama a pensar se
vale sequer a pena levantar-me.
E passam-se horas, fico cheia desta
culpa… E nem sempre há um motivo.
Às vezes acho que me sinto mal
porque é o que eu sei fazer melhor.

 

RICARDO
É estranho ouvir-te sempre a
falar disso quando na realidade
nunca te vi triste.

 

RUTE
Quando estou convosco, não estou.
Com pessoas fico sóbria da cabeça.

 

Rute deita-se de costas no chão.

 

RICARDO
Sóbria?

 

RUTE
Quando estou sozinha a minha cabeça
fica um buraco negro, perco toda
noção de perspetiva. Com pessoas à
minha volta, vai-se, esqueço-me.

 

RICARDO
Sais da tua cabeça. Eu percebo.
Nós não fomos feitos para estarmos
sozinhos. Uma pessoa estando sempre
sozinha enlouquece. Nós temos um
desejo de partilhar o momento.
Se não partilharmos a vida
estamos a vivê-la para quê? Tudo
aquilo que tu vives, tudo o sentes,
é como se nem sequer existisse.
Parece que é preciso alguém ver
para validar. E tu quando estás
sozinha vais para um mundinho só
teu. Ninguém lá entra. Nem tu
compreendes essa tua cabeça
quando vens cá para fora.

 

RUTE
É tudo mais claro cá fora.

 

Rute começa a fechar os olhos lentamente.

 

RICARDO
Estás cansada?

 

RUTE
(murmurando)
Estou toda fodida.

 

RICARDO
Bebeste uma cerveja.

 

RUTE
(ainda murmurando)
Eu acabei com uma
grade antes de tu chegares.

 

RICARDO
Uau.

 

Rute está em vias de adormecer.

 

RICARDO (CONT’D)
Vou ter de te levar ao
colo para a cama, não é?

 

Rute murmura algo absolutamente impercetível.

 

RICARDO (CONT’D)
Adoro.

 

Ele pega nela ao colo.

 

19. INT. QUARTO – NOITE, LOGO A SEGUIR
Ricardo entra no quarto de Rute com ela ao colo. Pousa-a na cama. Rute murmura algo.

 

RICARDO
Não estou a perceber nada.

 

RUTE
(murmurando)
Acho que vou vomitar.

 

RICARDO
Não, não, não, não, não. Espera.

 

Ricardo corre para fora do quarto e volta logo a seguir com um saco de plástico.

 

RICARDO (CONT’D)
Anda, para aqui.

 

Rute vomita.

 

RICARDO (CONT’D)
Isso. Pronto.

 

RUTE
Desculpa.

 

RICARDO
(contendo o riso)
Nunca tiveste tanta piada.
Mas não voltamos a falar
sobre isto.

 

Ricardo pousa a cabeça dela na almofada e cobre-a.

 

RUTE
(murmurando)
Vais conduzir para casa?

 

RICARDO
Claro. Estou sóbrio.

 

Ricardo vai embora.
PLANO DA CARA DE RUTE A ADORMECER.

 

MATCH CUT TO:

 

20. INT. QUARTO – MANHÃ, DIA SEGUINTE
MESMO PLANO DA CENA ANTERIOR.
A cara da Rute fica iluminada com a luz do dia. Ela acorda lentamente. As memórias da noite anterior chegam-lhe.

 

RUTE
Foda-se.

 

Rute agarra no telemóvel e liga a Ricardo. Ele atende.

 

RICARDO (O.S.)
Bom dia, alegria.

 

RUTE
Ricardo, desculpa.

 

RICARDO (O.S.)
Então?

 

RUTE
Que vergonha.

 

RICARDO (O.S.)
O mais engraçado é que tínhamos
combinado não falar do assunto.

 

RUTE
Ai foi?

 

Ricardo ri-se.

 

RICARDO (O.S.)
Estou no trabalho. Até logo.

 

RUTE
Sinto-me mesmo culpada.

 

RICARDO (O.S.)
Sim, sim, já sabemos. Olha, toma
banho. Come. Acaba o serviço.
E depois vai ter connosco ao
Trindade. O filme é às sete e meia.

 

RUTE
Está bem.

 

RICARDO (O.S.)
Até lá, nem eu
nem a Chica existimos.

 

Ricardo desliga. Rute deixa a cabeça cair pesada na almofada.

 

21. INT. COZINHA – MANHÃ, MOMENTOS DEPOIS
Rute retira um frasco de comida enlatada do armário.
PLANO DE RUTE A POUSAR A LATA DE CONSERVA NO BALCÃO.

 

MATCH CUT TO:

 

22. INT. SALA DE CINEMA – NOITE, MESMO DIA
CLOSE-UP DE UMA MÃO A POUSAR UMA LATA DE CONSERVA NUMA MESA.
A outra mão abre a lata. É ananás de conserva. Ouve-se uma VOZ MASCULINA que fala numa língua estrangeira.

 

VOZ MASCULINA (O.S.)
Finalmente encontrei a minha
trigésima lata numa loja de
conveniência.

 

Rute, Ricardo, e Chica estão no cinema a ver “Chunking Express”. Rute está como que a ter uma epifania.

 

VOZ MASCULINA (O.S.) (CONT’D)
Vindo o primeiro de Maio, eu começo
a perceber. Aos olhos de May, eu
sou tal e qual uma lata de ananás.

 

23. EXT. PORTA DO CINEMA/RUA – NOITE, ALGUM TEMPO DEPOIS
Rute e Chica fumam um cigarro.

 

CHICA
A sério que achaste triste?

 

RUTE
Achei muito triste.

 

CHICA
Fogo…

 

RUTE
Acho que é mais deslumbrante do que
triste. Mas é triste na mesma.

 

CHICA
Não sei. Não me levou para aí.

 

Ricardo sai, vindo da casa de banho do cinema.

 

RICARDO
Siga embora?

 

Eles começam a subir a rua. Rute fica para trás. Ricardo e Chica seguem mais à frente. Rute pára e olha para eles.
Rute imagina Ricardo e Chica a virarem-se e a acenarem na sua direção, a sorrir.
Rute começa a chorar.
Rute imagina Ricardo e Chica a chamar por ela.
Rute está paralisada. Ricardo e Chica continuam a subir a rua. Rute vê-os a afastarem-se. Tudo dói.

 

CUT TO BLACK:

 

 

FIM

RITA DUQUE

Rita Duque é atriz e argumentista portuguesa. É natural da cidade do Porto, onde se formou em Interpretação na ACE Escola de Artes, licenciando-se mais tarde no Instituto das Artes de Barcelona. Desde então, tem vindo a trabalhar maioritariamente em cinema independente, académico, e projetos publicitários nacionais e internacionais.

Em 2022, integrou o painel de jurados presidido por Céline Sciamma da Biennale de Veneza na secção Giornate degli Autori, desempenhando também o cargo de embaixadora do Cinema Trindade e do Lux Audience Award 2023.

O seu trabalho em cinema como atriz e argumentista já passou por diversos festivais e eventos nacionais como o Panorama da UCP Escola das Artes, pela Cinemateca Portuguesa, pelo Cinema São Jorge em Lisboa, e pelo Big Show no Batalha Centro de Cinema no Porto.

No início deste ano, recebeu os prémios de Melhor Interpretação Principal e de Melhor Argumento com a curta-metragem Picture Break no Festival 48H Lisboa.

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