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Suspiro

um argumento de
Gabriel Gomes
trilha sonora de
Leonardo Outeiro
ilustrado por
L Filipe dos Santos

Por entre suspiros ansiosos, chega finalmente o tão aguardado momento, mas…

1. INT. QUARTO – DIA
GUILHERME – 26 anos. Magro, de estatura média. Cabelo preto, olhos castanhos e uma barba com várias falhas. Está a dormir com uma venda nos olhos. Toca o despertador do telemóvel e ele acorda de forma repentina, tirando a venda precipitadamente e agarrando bruscamente no telemóvel. Ao ver que é apenas o despertador suspira desmotivado, largando o telemóvel e deitando-se de novo a olhar para o teto. Ouvimos uma voz ecoar nos seus pensamentos.

 

#1 (V.O)
Eu prometo que te ligo para
falarmos melhor sobre isto
e dar-te uma reposta.

 

Pega no telemóvel e coloca o volume de toque no máximo. Tapa os olhos com a venda, suspira novamente e vira-se para o lado para tentar dormir mais um pouco.

 

2. INT. SALA – DIA
GUILHERME entra na sala e pousa o telemóvel em cima da mesa. Liga a televisão e põe num canal aleatório de séries. Sai da sala quando, de repente, se ouve um telemóvel a tocar na televisão. GUILHERME entra a correr na sala e atira-se para o telemóvel. Depois, apercebe-se que era na televisão. Suspira e torna a sair da sala.

 

3. INT. COZINHA – DIA
GUILHERME tira um pacote de leite do frigorífico e uma tigela do armário. Começa a deitar o leite na tigela, mas não tem quase nada. Suspira, espalma o pacote vazio e coloca-o no contentor da reciclagem.

 

4. EXT. ROSSIO | VISEU – DIA
GUILHERME atravessa o Rossio quando ouve um telemóvel a tocar.Tira de forma atabalhoada o seu telemóvel do bolso, deixando-o cair. Dá-lhe ainda um pontapé, fazendo-o cair num sítio mais afastado de si. Com a pressa de o apanhar para atender, vai contra uma pessoa, que resmunga com ele e à qual ele se desculpa. Ao pegar no seu telemóvel ouvimos outra pessoa atender um telemóvel junto a si. Não era o seu que estava a tocar. GUILHERME suspira, coloca novamente o telemóvel no bolso e retoma a sua caminhada.

 

5. INT. MINI-MERCADO LOCAL | VISEU – DIA
GUILHERME entra no mini-mercado, dirige-se à prateleira do leite e pega num pacote de leite meio-gordo. De seguida, decide pegar noutros produtos para levar: um pacote de massa, um quilo de arroz, uma lata de atum. Dirige-se com tudo nos braços até à caixa, quando ouve um telemóvel a tocar. Larga de imediato tudo, e tira o seu telemóvel do bolso, apercebendo-se que não era o seu. Era um toque que vinha do rádio que a dona do mini-mercado estava a ouvir na caixa. GUILHERME olha para tudo o que deixou cair no chão, olha para a dona do mini-mercado, desculpa-se e suspira.

 

6. EXT. ADRO DA SÉ | VISEU – DIA
GUILHERME atravessa o Adro da Sé, com um saco de compras, quando uma ADOLESCENTE, nos seus doze/treze anos, vem ao seu encontro. Respira ofegantemente. GUILHERME não se apercebe de imediato que ela está a falar com ele.

 

ADOLESCENTE
Desculpe? Desculpe?

 

GUILHERME
Sim?

 

ADOLESCENTE
Desculpe. O meu telemóvel acabou de
se desligar, ficou sem bateria. Eu
preciso urgentemente de ligar à
minha mãe para dizer onde estou
para ela me vir buscar.

 

GUILHERME
Desculpe, mas não posso ajudá-la.

 

ADOLESCENTE
Não está a perceber. O meu pai
acabou de ir parar ao hospital, com
um enfarte. Eu preciso que a minha
mãe me venha buscar para ir lá com
ela urgentemente.

 

GUILHERME
Peço desculpa, mas preciso mesmo do
telemóvel disponível.

 

ADOLESCENTE
Eu não acredito nisto.

 

A ADOLESCENTE vai-se embora, estupefacta e chateada, dirigindo-se à próxima pessoa que encontra na rua. GUILHERME suspira e retoma a sua caminhada.

 

7. EXT. ESPLANADA NO CENTRO HISTÓRICO | VISEU – DIA
GUILHERME está a tomar um café enquanto lê À espera de Godot de Samuel Beckett, mas, volta e meia, clica no ecrã do telemóvel. Para aí à quarta tentativa suspira, fecha o livro, termina o café de um trago só, coloca uns fones sem fios nos ouvidos, pega no saco de compras e vai-se embora.

 

8. EXT. RUA FORMOSA | VISEU – DIA
GUILHERME caminha pela rua a ouvir música nos fones. Ouvimos a música Tired of Waiting for You dos The Kinks, enquanto ele canta silenciosamente. Suspira. De repente a música pára, ele pega rapidamente no telemóvel, vê o aviso de bateria fraca e desata a correr pela rua.

 

9. INT. SALA – DIA
GUILHERME entra a correr, suado, coloca o telemóvel a carregar a deita-se no chão estafado, respirando ofegantemente. Quando se acalma, recuperando o fôlego, pega no telemóvel e, ao verificar que não tem qualquer chamada, suspira.

 

10. INT. QUARTO – NOITE
GUILHERME remexe-se várias vezes na cama, com a venda nos olhos, pois não consegue adormecer. Retira a venda e volta-se a ouvir o ecoar da voz na sua cabeça.

 

#1 (V.O)
Eu prometo que te ligo para
falarmos melhor sobre isto
e dar-te uma reposta.

 

GUILHERME coloca de novo a venda e suspira.

 

11. INT. SALA – DIA
GUILHERME entra na sala, de pijama, ensonado. De repente pára, encosta a mão na parede e começa a ter um ataque de pânico. A respiração cada vez mais acelerada fá-lo encostar-se de costas contra a parede e deslizar até acabar sentado no chão. A respiração cada vez mais ofegante. Ouvimos o bater acelerado do seu coração, à medida que as lágrimas começam a formar-se nos seus olhos e a escorrer pelo seu rosto. GUILHERME suspira com veemência e angustia.

 

12. INT. CONSULTÓRIO – DIA
GUILHERME entra no consultório. Traz vestidas umas calças de fato de treino e, na parte de cima, um grande casaco impermeável.

 

PSICÓLOGA
Pode tirar o casaco e sentar-se.

 

GUILHERME, reticente, tira o casaco e, por baixo, traz a camisola do pijama vestida.

 

GUILHERME
Peço desculpa. Com a pressa só
consegui vestir estas calças, este
casaco e vir para aqui o mais
rapidamente possível.

 

PSICÓLOGA
Não há problema nenhum.
Então diga-me Guilherme: porque
acha que teve outro ataque destes?

 

GUILHERME
Se eu soubesse não teria vindo
aqui, não acha?

 

A PSICÓLOGA fica um tempo em silêncio a observá-lo. Observa o tique nervoso do dedo do meio da mão direita de GUILHERME a bater ritmicamente na sua coxa direita, e o tremelique igualmente nervoso e ritmado da sua perna esquerda. De seguida, olha-o novamente nos olhos.

 

PSICÓLOGA
Viu alguma semelhança entre este
ataque e o que teve após a
discussão com ele?

 

GUILHERME baixa o olhar, evitando olhar para ela, parecendo anuir.

 

PSICÓLOGA
Porque é que o Guilherme acha que
sofre tanto por antecipação de uma
resposta que não quer ouvir?

 

GUILHERME olha diretamente para ela, começa por falar com alguma agressividade, mas depois desiste.

 

GUILHERME
Eu… não sei.

 

PSICÓLOGA
O Guilherme não tem como controlar
uma situação que não depende de si.
Resta-lhe aguardar, mentalizando-se
que poderá receber uma resposta que
talvez não lhe vá agradar.

 

GUILHERME deixa cair novamente o olhar para o chão e suspira.

 

13. INT. SALA – DIA
GUILHERME entra, tira o casaco e pendura-o nas costas de uma cadeira. Tira o telemóvel do bolso, verifica se tem alguma chamada e, ao ver que não, pousa-o na mesa. Respira fundo e senta-se no sofá a ler À espera de Godot de Samuel Beckett. Finalmente o seu telemóvel toca, num volume bastante alto. GUILHERME fica histérico, ansioso, respiração ofegante, ouvimos o seu coração a bater quando pega no telemóvel. Ele atende

 

#2 (V.O)
Estou sim, boa tarde? O meu nome é
Vânia Carvalho e estou a ligar-lhe
por parte da SaúdeCare…

 

GUILHERME
Oh, fod-

 

CORTA.

FIM