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O Rapaz da Paragem de Autocarro
um argumento de
Andreia Ferradeira
ilustrado por
Mariana Rio
Numa paragem de autocarro, uma jovem conhece um rapaz atrapalhado, mas charmoso, e uma viagem entre os sentimentos adolescentes e crescimento pessoal começa.
FADE IN:
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA CHUVOSO DE VERÃO
Uma paragem de autocarro, quase perdida no meio de nenhures e no meio da vegetação que quase a consome. O banco é utilizável, mas as plantas crescem vigorosamente, assim como uma árvore que teima em tornar esta paragem sua. Como um habitat natural para os possíveis passageiros que por ali passem.
Apesar de ser verão, chove moderadamente. As pingas escorregam pelas folhas da árvore, caindo no topo da paragem abrigada por um teto com alguns buracos. O céu cinzento quase contagia o ambiente, também um pouco desgastado.
Junto à paragem, espera MATILDE (16 anos), de cabelo negro solto, com um guarda-chuva transparente, através do qual se consegue ver os pingos serem impedidos de a molhar. Veste umas largas calças pretas e uma camisa de manga curta castanha, as sapatilhas são gastas. Ao ombro uma totebag bege. Tem os ombros encolhidos, como se estivesse a passar frio já há algum tempo, mas de certo modo quase como se estivesse habituada à espera ou indiferente a tudo.
Um autocarro chega e para. Poucos segundos depois, arranca. A paragem fica vazia.
TITLE CARD: O RAPAZ DA PARAGEM DE AUTOCARRO
INT. AUTOCARRO – CONTINUAÇÃO
Matilde coloca os fones wireless e prepara-se para ler um grosso livro que retira da sua mala. Enquanto isso, nota num rapaz que chegara entretanto à paragem. Aborrecido por perder o autocarro lança os braços ao ar, como se esperasse que o motorista o visse e parasse.
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA SEGUINTE
Chove ligeiramente mais que no dia anterior. O autocarro abandona a paragem. Assim que o perdemos de vista, Matilde chega a correr. Perdera o autocarro. Desânimada e aborrecida, coloca-se debaixo da pouco abrigável paragem, com o guarda-chuva sobre a cabeça.
Um gatinho preto passa a correr à sua frente para trás da paragem. Pela primeira vez, um subtível sorriso ao ver o pequeno amigo. Procura chamá-lo com a mão, mas sem comida não serve de nada. Volta para debaixo da paragem.
A chuva começa a perder força. Matilde começa a absorver o que a rodeia. Os pingos a escorrer do telhado da paragem. As folhas da vegetação que entram pela paragem a abanar com a brisa. As flores que tentam insurgir-se do chão.
Vemos o ambiente que a rodeia. O rio com a pequena cascata, que é possível observar pela ponte, um pouco mais à frente da paragem. Os pássaros que se abrigam entre galhos nas árvores em volta.
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – MAIS TARDE
Outro autocarro chega. Arranca pouco depois.
INT. AUTOCARRO – CONTINUAÇÃO
Matilde coloca os fones. Vê o rapaz de antes encharcado a correr. Perdeu o autocarro. Para de correr quando percebe que é inútil continuar a perseguí-lo.
Matilde desvia o olhar da pobre alma encharcada como se não tivesse visto nada e retira o livro da sua mala.
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA SEGUINTE
Dia nublado, com alguma brisa mas sem chuva. Matilde aguarda sentada na paragem, prevenida com uma blusa de malha e uma saia de ganga. Tem também o seu guarda-chuva, pronto para entrar em ação se necessário. Enquanto espera pelo autocarro, continua a leitura do seu livro.
Alguém chega à paragem, meio ofegante com mochila às costas. O rapaz do dia anterior, VASCO (17), com um colete de malha sobre uma t-shirt branca e calções. Algo que Matilde nota no rapaz, para além do cabelo despenteado que ele tenta agora dar um jeito, são as meias altas a meia perna, de cores diferentes, e os cordões desatados.
Começa a pingar, ao que Vasco procura abrigar-se sob o telhado esburacado da paragem. Repara finalmente em Matilde, e troca-lhe um olhar com um acenar de cabeça, como se a estivesse a cumprimentar. Ela devolve o aceno de cabeça muito timidamente.
O rapaz ata os cordões e ao fazê-lo surpreende-se, com os seus olhos perplexos, ao ver o estranho par de meias que trouxe. Parece atrapalhado e envergonhado e é visível que tem vergonha de encarar Matilde que ainda o observa a atar os sapatos entre rápidas passagens pelo livro.
O autocarro chega. Parte.
INT. AUTOCARRO – A SEGUIR
Matilde senta-se à janela. Vasco senta-se na fila do lado oposto, um lugar depois da linha dela. Matilde, consegue ter uma boa visão do estranho rapaz. Vasco coloca os auscultadores e fita a janela.
Matilde, tenta prestar atenção ao livro, mas algo a distrai.Continua a ter foco no rapaz dos cordões desatados que silenciosamente, faz lipsync da música que ouve enquanto joga no telemóvel.
INT. AUTOCARRO – MAIS TARDE
O autocarro para numa paragem. Vasco prepara-se para sair, agarrando na sua mochila. Ao passar pelo corredor entre os bancos observa Matilde, perdida na sua leitura, a sorrir para as páginas. O que o contagia, e sorri ligeiramente.
Vasco desce. Matilde por sua vez, vê o jovem a caminhar pela rua. Há uma certa curiosidade sobre ele.
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA
O dia é mais alegre que o anterior, o nublado dissipa-se e começa a dar lugar ao real céu azul de Verão.
Matilde caminha, ao chegar à paragem, Vasco já lá se encontra, agachado junto à árvore.
Nota-se que hoje, Matilde, decidiu dar um jeito ao cabelo, bem cuidado e apanhado num rabo de cavalo, como se tivesse tido esse cuidado ao preparar-se de manhã. A roupa também com mais cor, uma camisa de manga curta vermelha gasta e jeans. Como acessório um longo fio dourado. A sapatilhas gastas deram lugar a umas brancas bem cuidadas.
Matilde senta-se na paragem, passando antes a mão para remover algumas folhas. O rapaz cumprimenta-a com um sorriso, Matilde responde-lhe da mesma forma. Apressa-se a retirar o seu livro. Já chegou a meio do livro.
MIAU.
Um som vindo dos arbustos interrompe a leitura que mal acabara de começar.
Um gatinho preto sai por detrás da árvore, em direção a Vasco, que lhe estende a mão com alguma ração seca. Vasco coloca a comida no chão e como agradecimento o gato vem-se enroscar nele antes de atacar o pequeno-almoço.
Vasco acaricia-o. Matilde observa, encantada. Sem certeza se é pelo gato ou pelo jovem.
Vasco levanta-se, limpa as mãos sobre as suas calças e espera, com as mãos sobre as alças da mochila, como um criança.
Desta vez, é ele quem olha para Matilde, que lê em paz. Vasco consegue ver capa do livro, torce-se mais um bocado, mas sem que ela possa reparar, para tentar perceber o título.
Ela olha para ele e ele envergonhado desvia o olhar para a frente, como se tivesse algo que não deveria ter feito. Ficam assim em silêncio até o autocarro passar.
MONTAGEM – DIAS SEGUINTES
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA
–Quando o autocarro chega, arranca e deparamo-nos com uma paragem vazia. Ficamos nela.
–Matilde e Vasco chegam dos lados opostos, indicando agora que este é um novo dia, mas a rotina é a mesma. Cumprimenta-se com o tal sorriso, como quem já se viu várias vezes, mas não o suficiente para trocar palavras.
Neste passar de dias, Matilde parece ter mais algum cuidado na forma como se veste ou prepara. Vasco por seu lado, mantém o seu estilo nos tons de terra, variando entre os castanhos, azuis escuros e verdes, como se pertencesse ali no meio daquele mundo.
O autocarro passa e parte.
— Continuamos na mesma paragem. Outro dia. Matilde com vestido longo bege, continua a ler o livro. Vasco chega, senta-se ao lado. Retira da mochila um livro, diferente do dela. Matilde curiosa para saber o que lê, tenta espreitar. Como se reparasse, ou quisesse que reparasse, Vasco levanta um pouco livro, revelando a contracapa. Olham um para o outro. Voltam aos seus livros.
INT. AUTOCARRO – A SEGUIR
–No autocarro, sentam-se, não propriamente lado a lado mas cada um na sua ponta da lateral do autocarro, junto à janela. Pelo vidro passam os reflexos da luz matinal e as árvores. É o típico dia de Verão, solarengo com os pássaros a voar sobre o céu. O autocarro para, mas Vasco não sai na sua paragem habitual, para surpresa de Matilde. Vasco continua a ler o seu livro com os auscultadores. Matilde, fica na incerteza se ele perdeu a paragem ou foi propositado.
De repente, Vasco, atrapalhado, carrega no botão de STOP. Rapidamente tenta chegar à porta do fundo para sair.
Matilde esforça-se para não se rir, tentando prender os lábios e morder o interior para se controlar.
Vê-o por fim a fazer o percurso habitual, agora tranquilo.
— EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA
Na paragem, com a vegetação cada vez mais crescida. Matilde agachada no chão, a tentar convencer o gatinho a sair detrás da paragem com uma embalagem de patê. Deixa-a no chão e senta-se. Espreita. O gato preto decide, vir comer.
Entretanto Vasco, de auscultadores, surge também com comida para o gato, um pequeno saquinho de plástico com algum granulado. Repara que já está a ser bem tratado, mas ainda assim junta o granulado junto à embalagem. Passa a mão pelo pêlo do gato e espera em pé junto à paragem. Sem falhar, o cumprimento especial, o sorriso tímido.
O autocarro chega. Matilde levanta-se e apesar de Vasco estar mais próximo da porta, faz-lhe um gesto de cavalheirismo e indica-a para subir primeiro. Matilde assim o faz.
— INT. AUTOCARRO – FIM DE DIA
Um pôr do sol que ainda não tinhamos visto. Matilde e Vasco no autocarro, mais uma vez lado a lado, mas em filas separadas. Vasco observa a vista pela janela enquanto ouve música. Olhando para o lado, Matilde, com o seu livro no colo e página marcada pelo dedo, adormecida com a cabeça encostada ao vidro. O autocarro dá um solavanco inesperado por causa das pedras na estrada, fazendo-a despertar por instantes. Volta a adormecer. O sol bate-lhe nos olhos, aquela luz forte e irritante de fim de tarde. Vasco abdica da sua janela para correr o cortinado e protegê-la do sol.
— EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA – DIA SEGUINTE
Matilde está com um outfit muito mais arranjado e com algum batom e rímel. Enquanto aguarda o seu companheiro de espera, pega no telemóvel e usa-o como espelho para verificar o cabelo.
Espera, e espera. Não há gato, nem Vasco.
O autocarro chega.
Matilde, desiludida, entra no autocarro.
— EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – OUTRO DIA
Matilde na paragem, como no dia anterior, bem vestida com um vestido de verão. Aguarda na paregem. Desta vez não lê, apenas espera e olha para os lados. O autocarro chega, e ela quase forçosamente entra.
No autocarro, senta-se, continuando a mirar a paragem.
— INT. AUTOCARRO – FIM DE TARDE
Matilde com a mão sobre o queixo enquanto olha pelo vidro, analisa a fila de pessoas que entram no autocarro. Como se procurasse alguém. Sem sinal de Vasco, o autocarro inicia marcha.
Retira o livro da mala e por fim, retoma a leitura. Falta pouco para terminar o livro.
FIM DE MONTAGEM
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA SEGUINTE – CÉU NUBLADO
Parece que vai chover, mas o céu ainda não se decidiu. Matilde de cabelo atado, como se o tivesse feito à pressa, um casaco cinzento, calções velhos e as sapatilhas gastas. Tem o livro na mão, enquanto espera de pé.
Sente algo nas pernas. Olhando para baixo, o gatinho. Não tendo comida para lhe dar apenas oferece a mão onde ele se esfrega. MIA e abandona Matilde.
Matilde olhando em frente, vê que foi trocada. Vasco é recebido pelo gatinho. Os dois ficam agachados no chão. Vasco coloca algum granulado no chão e dá festas ao bichano.
Matilde continua agachada. Regressam os cumprimentos de “bom dia”.
INT. AUTOCARRO – A SEGUIR
Matilde e Vasco entram, desta vez, o autocarro está cheio. E acabam por se sentar ao lado um do outro. Vasco cede-lhe o lugar à janela.
Os dois lêem os seus livros, em silêncio. Pela primeira vez, nenhum dos dois tem fones.
INT. AUTOCARRO – MAIS TARDE
Chegam à paragem onde Vasco costuma descer. Mas desta vez ele não se mexe. Matilde encara-o para ver se não ficou demasiado focado na leitura que se esquecera de sair. Mas para seu espanto, Vasco olha em redor, reconhece a paragem, mas mesmo assim permanece no seu lugar.
INT. AUTOCARRO – MAIS TARDE
A paragem do veículo indica que Matilde chegou ao seu destino. Vasco também começa a arrumar o livro na sua mochila e prepara-se para sair. Faz de escudo para que as pessoas da frente não passem, e Matilde consiga sair.
Matilde agradece o gesto, mais uma sem verbalizar, só com sinais ou acenos.
EXT. PARAGEM DE MATILDE – A SEGUIR
Matilde desce do autocarro. Atrás de si, Vasco.
Matilde começa a corar quando percebe que Vasco caminha a seu lado, seguindo o mesmo caminho. Sente uma desilusão quando ela continua a rua e ele fica a meio para entrar num café.
INT. AUTOCARRO – FIM DE TARDE
Matilde sentada, com um lugar vazio a seu lado.
Uma paragem à frente. Vasco entra no autocarro. O autocarro, cheio, faz com que Vasco se tenha de sentar novamente lado a lado com Matilde. Ela dá um jeito à mala para que ele se possa sentar.
Vasco vai para colocar as mãos ao pescoço, como se fosse agarrar algo, mas percebe que os auscultadores não estão postos. Vasculha na mala. Parece não os ter trazido. Procura depois o telefone e faz uma chamada. Parece mais calmo após isso.
Contenta-se com o jogo de telemóvel.
Matilde continua a ler os poucos capítulos que restam. Vasco também repara que falta pouco para a jornada literária terminar.
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA SEGUINTE
Matilde aguarda a chegada do autocarro com Vasco. Enquanto isso, o gato senta-se ao colo de Vasco. Matilde, só de um fone posto, vai remexendo na caixa destes, enquanto finge ler o livro.
O gato abandona o colo de Vasco.
A espera continua, mas autocarro está atrasado. Vasco olha para o relógio de pulso, como cara de quem deveria estar a chegar a algum sítio mas que ainda nem sequer abalou.
Encosta-se por fim ao vidro da paragem, não totalmente, para evitar ser perfurado pelos ramos da árvore que teima em domar a obra.
Vasco olha para o livro de Matilde, como se estivesse mesmo a ler.
O fone de Matilde escorrega do ouvido quando esta vira a página. Vasco apanha-o apressadamente antes que caísse no chão. Entrega-o.
Matilde recebe-o. Sente algo estranho. O coração parece bater mais alto e de repente fica toda corada.
A brisa de Verão vai passando, fazendo as ervas dançar. O gatinho dorme no chão, junto à paragem.
Matilde parece ter algo para dizer, mas retrai-se.
Ficam em silêncio, como sempre.
Enquanto olha para o vazio, Vasco vê uma mão a aproximar-se com um fone. Matilde faz o gesto de compartilhar a sua música enquanto esperam. Vasco sorri, revelando as suas covinhas e aceita.
MONTAGEM – PASSAR DOS DIAS
INT. AUTOCARRO
— Desta vez, sentados lado a lado, sem fones, e não em silêncio. Conversam. Não sabemos sobre o quê, mas vemos que ambos se divertem. Vasco parece estar a contar uma história daquelas que ninguém acreditaria que aconteceu, enquanto Matilde ouve e tenta não rir do ridículo.
— Noutro dia, sentados lado a lado, Matilde com o livro no colo. Vasco aponta para ele. Supomos estarem a falar do livro. Vasco retira depois o seu livro da mochila e mostra a contracapa.
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO
— Matilde e Vasco agachados, conversam enquanto alimentam e mimam o gato com festas.
— Dia seguinte. Matilde chega à paragem. De repente, Vasco salta por trás, assustando-a, fazendo-a quase cair. Vasco consegue salvá-la. Desatam a rir, enquanto Matilde se vinga ao bater-lhe no ombro.
— INT. AUTOCARRO – PARAGEM DE VASCO
Vasco começa a arrumar a mochila. Despede-se de Matilde com um esfregar de cabelo que a deixa despenteada. Ela recompõe-se, sorridente.
Olha pelo vidro para ver Vasco sair. Ele acena-lhe, energeticamente. Ela finge não o conhecer.
— EXT. PARAGEM DE MATILDE – FIM DE TARDE
O Sol começa a pôr-se, Matilde vem em direção à paragem, passando pelo café onde já viu Vasco entrar.
Vasco, sai desse café nesse exato momento. Quando o vai para cumprimentar, uma JOVEM RAPARIGA, chama-o. Tem os seus auscultadores na mão. Vasco volta para os ir buscar. Agradece à jovem que parece conhecer já há um tempo e beija-a na testa.
Matilde trava. Depois avança rapidamente para a paragem enquanto Vasco se despede da jovem.
— INT. AUTOCARRO – A SEGUIR
Matilde e Vasco separados por dois estranhos que criam uma barreira entre eles. Matilde encara o mundo lá fora, com os fones. Vasco faz o mesmo, mas vai olhando de relance para Matilde, que parece abatida.
— EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA SEGUINTE
Vasco na paragem. Ainda não há sinal de Matilde.
O autocarro chega. Ele olha para os lados, garantindo que não há nenhuma moça a correr desesperada para apanhar o autocarro. Nada. Entra.
— INT. AUTOCARRO – FIM DE TARDE
Vasco entra. Ao percorrer o corredor, avista Matilde, com um passageiro a seu lado. Ele continua a olhar na sua direção até que ela repare.
Tal não acontece. Acaba por se sentar atrás dela, mas não faz ou diz algo. Apenas a observa pelo reflexo da janela. Uma rapariga de olhar vazio, sem cor.
FIM DE MONTAGEM
EXT. PARAGEM DE AUTOCARRO – DIA SEGUINTE
Vasco chega à paragem. Já começa a ficar um tempo frio. Avista Matilde sentada no banco, com a clássica totebag e as suas sapatilhas gastas. Parece confortável nas suas calças e t-shirt, cujos tons naturais a fazem integrar-se na paisagem. O cabelo, bem escovado e prendido numa garra. A maquilhagem súbtil, mas que lhe dá um certo brilho e classe.
Os dois cruzam o olhar. Vasco parece tímido ou intimidado de repente, até que ela acena com a cabeça um tímido bom-dia.
O gatinho aparece, enrosca-se nele. Vasco agacha-se para o cumprimentar e dar a refeição da manhã. Aproveita para mais uma vez atar os cordões.
Ao atar os cordões, Matilde repara na diferença de cor das meias, o que a faz sorrir como antes.
O autocarro chega.
Vasco reúne as suas forças para lhe dar uma entrada em grande, gesticula, como se fosse um mordomo de alta classe para ela entrar.
INT. AUTOCARRO – A SEGUIR
O autocarro já não vem cheio. Há muitos lugares por onde escolher.
Matilde senta-se primeiro, no lugar do costume, junto à janela. Vasco senta-se na fila oposta mas alinhado com ela. Vasculha na mala. Não tem os auscultadores. Suspira.
Pelo canto do olho, vê algo a mexer-se. Uma mão que se estende, com um fone.
É Matilde, que se aproximou, sentado-se agora não à janela mas no banco ao lado do corredor do autocarro.
Vasco agradece com um sorriso de alívio e coloca o fone. Chega-se também para o banco do lado. Ficando cada um na ponta, separados pelo corredor.
Assim ficam, a ouvir música, em silêncio.
INT. AUTOCARRO – MAIS TARDE
Matilde folheia. A última folha do livro. Um sorriso revela o fim. Fecha o livro, mesmo a tempo da paragem de Vasco. Vasco entrega-lhe o fone e despede-se. Novamente, sem palavras.
Do interior, Matilde observa Vasco seguir o seu caminho. Vasco vira-se. Acena-lhe. Matilde, ultrapassa a teimosia e acena-lhe de volta.
FADE TO BLACK
FIM
ANDREIA FERRADEIRA
Nascida em 1999, Faro.
Licenciou-se em Cinema, na Universidade da Beira Interior (2021).
Continuando o percurso escolar na área, entrou na ETIC_Algarve, no curso de Realização, Cinema e Televisão, terminando em 2023.