1. EXT. RUA – NOITE
A escuridão, o nevoeiro e a chuva forte modelam uma cidade de Viseu retro-futurista. Ao fundo, entre alguns néones de luz vermelha e amarela, lê-se «THE DRAGON – Nightclub».
2. INT. CLUBE NOTURNO – NOITE
Por entre o fumo e a luz proveniente de alguns focos, uma DANÇARINA mestiça atua descalça e executa uma performance sensual ao som da música que toca. A jovem dança sobre um palco oval para uma plateia composta de homens e mulheres invulgares. Entre a estranha plateia encontra-se o ESTRANGEIRO, um homem de meia-idade com uma gabardine cinzenta, sentado numa pequena mesa ao canto da sala.
A jovem dança de uma forma sexy e a plateia delicia-se. O Estrangeiro olha o peito meio desnudo da jovem, as suas curvas, o seu rosto, o seu olhar. A jovem imprime ao corpo o ritmo que a música impõe e, em simultâneo, olha para o Estrangeiro começando a tirar o seu reduzido traje.
A plateia rejubila cada vez mais alto e ao mesmo tempo a dança da jovem é cada vez mais ousada. O Estrangeiro observa, atento, o perfil do corpo esbelto e suado que baila à sua frente.
A jovem olha novamente para o Estrangeiro que desvia o olhar, como que envergonhado. Ouvem-se aplausos, a atuação está a terminar. Ele levanta-se e dirige-se ao balcão.
3. INT. CLUBE NOTURNO / BALCÃO – NOITE
O Estrangeiro, encostado ao balcão, dá um gole numa bebida de cor roxa que acaba de lhe ser servida. Uma barmaid de curvas vistosas passa ao seu lado. Ele olha na direção das nádegas dela. Ela acaba por desaparecer no ambiente soturno do espaço. O Estrangeiro coloca a mão entre as pernas e aperta-a. Ele denota uma expressão de angústia e dá mais um gole na caneca que contém a bebida de cor roxa.
De seguida, o Estrangeiro sente que alguém lhe afaga o cabelo. Roda a cabeça e vê que foi uma stripper que acabou de passar por ele.
PONTO DE VISTA do Estrangeiro a olhar para o meio das suas próprias pernas, fecha os olhos. Acena negativamente com a cabeça, pousa a caneca em cima do balcão e sai do bar com uma expressão decidida.
4. EXT. RUA – NOITE
A chuva cai agora, pulverizada em milhões de partículas que se confundem com o nevoeiro que paira na noite sombria. Uma PROSTITUTA de olhos rasgados e com feições orientais está encostada a um poste de candeeiro e olha para o Estrangeiro que caminha cabisbaixo.
Ela olha-o, atenta, enquanto dá uma passa num cigarro vemos o seu antebraço deformado. Ele, indiferente, continua a caminhar para um prédio deteriorado.
5. EXT. PORTA DA CAVE – NOITE
O Estrangeiro desce uma enferrujada escada de ferro e bate a uma porta do prédio. O Estrangeiro, inquieto, volta a bater com os nós dos dedos na porta. A pesada porta abre-se com algum ruído.
Pausa.
Entre a porta entreaberta e o caixilho da mesma surge um HOMEM um pouco mais velho que o Estrangeiro. O homem é magro, ostenta uma profunda cicatriz que lhe atravessa a testa rugosa, usa uma pala preta a cobrir o olho direito e veste uma bata repleta de nódoas. O homem olha para o Estrangeiro sem proferir palavra, volta-se e dirige-se para o interior da cave deixando a porta aberta. O Estrangeiro interpreta tal atitude como sinal de consentimento a entrar.
6. INT. CAVE – NOITE
Ao entrar o Estrangeiro retira da gabardine um molhe de notas e coloca-o num tabuleiro de alumínio que se encontra em cima de uma estreita e pequena mesa. A cave é pouco iluminada. As paredes são de cor verde seco, no chão existem manchas escuras. Há um número razoável de utensílios de foro médico/científicos espalhados por uma bancada retangular e por algumas gavetas que são transparentes. Perto da parede oposta à da entrada existe um alçapão que conduz a uma sala subtérrea da cave. O espaço assemelha-se a uma mistura de consultório médico com oficina de automóveis.
O Estrangeiro desloca-se para o meio da sinistra cave onde se situam uma estrutura em forma de paralelepípedo com portadas idênticas às de um polibã e uma marquesa semelhante às marquesas onde no passado se realizavam abortos.
7. INT. CAVE / PARALELEPÍPEDO – NOITE
O Estrangeiro entra na estrutura paralelepipédica que tem uma luz azulada. Começa a despir-se. Aparenta nervosismo. Tem o corpo húmido da transpiração.
8. INT. CAVE – NOITE
O Estrangeiro sai nu do paralelepípedo. Aproxima-se da bancada retangular. Afasta as pernas e apoia os braços na bancada. O homem tem, agora, luvas de silicone nas mãos e encontra-se
por detrás do Estrangeiro a remexer num emaranhado de fios. De seguida, vira-se para o Estrangeiro e contorna-o. De frente para o Estrangeiro, coloca-lhe uma mão na cabeça fazendo com que ele se dobre sobre a bancada. Pega numa tesoura elétrica e começa a rapar-lhe o cabelo.
De cabelo rapado o Estrangeiro deita-se na marquesa. O homem coloca-lhe quatro fios com ventosas na nuca e outros tantos espalhados pelos órgãos vitais do corpo. Aperta-lhe, com tiras de cabedal, os pulsos e os tornozelos à marquesa. Gotas de transpiração escorrem pelo rosto nervoso do Estrangeiro. O homem coloca-lhe um quinto fio na nuca. O Estrangeiro fecha os olhos.
Ele está ligado a uma complexa máquina coberta de tubos e largos fios que ligam a uma caixa computorizada central.
O homem começa a carregar nos botões da máquina e o corpo do Estrangeiro começa a dar saltos na marquesa devido aos choques elétricos a que está a ser sujeito. Aquando dos choques são vislumbradas na mente do Estrangeiro imagens de mulheres a despirem-se, mulheres seminuas, homens nus, mulheres nuas. Os choques elétricos vão-se intensificando e cada vez mais ocorrem as imagens de mulheres a despirem-se, mulheres seminuas, homens nus, mulheres nuas, mãos, tornozelos, corpos masculinos, corpos femininos, peles, rostos de mulher, mamas, troncos desnudados, dedos, nádegas, pernas, cabelos a esvoaçar, corpos nus abraçados. O corpo do Estrangeiro torce-se e contorce-se como se de um ataque de comichão se tratasse. Na mente do Estrangeiro as imagens são como flash de fotografia a um ritmo cada vez mais rápido, corpos masculinos, corpos femininos, rostos de mulher, mamas, troncos desnudados, emaranhado de corpos, pontas dos dedos, pernas, mulheres a despirem-se, mulheres seminuas, homens nus, mulheres nuas, mãos, tornozelos, ancas, mamilos, rugas da pele, nádegas, rostos em êxtase, vagina, vulvas, clítoris, coxas, línguas, bocas, lábios carnudos, orelhas, pés, amálgama de corpos a copular, fluidos, zonas púbicas, INSERT …cérebro.
Beat.
O Estrangeiro denota no rosto uma dor aguda e intensa. Ele berra, diabolicamente, enquanto o homem o olha sereno e maneja a estranha máquina. Passado uns segundos o Estrangeiro acorda e o homem que acabou de sair da máquina solta-o. O Estrangeiro ergue-se da marquesa. O homem faz-lhe o sinal universal de fixe. O Estrangeiro desloca-se, atordoado, para o paralelepípedo.
9. INT. CAVE / PARALELEPÍPEDO – NOITE
O Estrangeiro limpa o corpo transpirado a uma toalha. Ouve um som subtil de porta a abrir e de qualquer coisa a arrastar pelo chão.
10. INT. CAVE – NOITE
O Estrangeiro, já vestido, sai do paralelepípedo. Ao dar os primeiros passos em direção à porta APARECE um segundo HOMEM da escuridão da cave. Este homem que se aproxima é alto, de cabelos compridos, entroncado porém com uma marreca muito saliente. Com uma mão gesticula a pedir dinheiro e na outra ostenta uma faca reluzente. O Estrangeiro olha para a estreita e pequena mesa da entrada, o molhe de notas ainda lá está. Indica ao corpulento homem que o dinheiro está ali. O homem gesticula com o dedo que não e aponta para o resto das notas que o Estrangeiro tem na gabardine. O Estrangeiro olha para o primeiro homem que agora se ri, trocista, na sua cara. O Estrangeiro subentende que estão feitos um com o outro. O segundo homem que ostenta a faca na mão lança-se para o Estrangeiro tentando golpeá-lo mas o Estrangeiro desvia-se, à segunda tentativa acontece o mesmo e à terceira o Estrangeiro desvia-se outra vez e desfere-lhe um violento pontapé nos testículos. Nesse instante, o primeiro homem salta com arrojo para as costas do Estrangeiro e agarra-se ao seu pescoço com um laço de estrangulamento. O Estrangeiro movimenta-se de um lado para o outro, com o homem às suas costas, na tentativa de se libertar. Mandam cadeira, bancada, utensílios médicos ao chão. O Estrangeiro, aflito, ao se apoiar numa bancada agarra com uma mão num objeto afiado. Tenta acertar no homem que o asfixia todavia não consegue. Desesperado roda o corpo, o homem não o larga de modo algum. No meio da confusão armada e com um movimento repentino do braço espeta o objeto afiado na veia jugular do segundo homem que se encontra vergado, agarrado aos testículos. SANGUE espirra pelo espaço, borrifando tudo à volta de vermelho.
O rosto do Estrangeiro, salpicado de sangue, está agonizante. O primeiro homem aperta com toda a força o laço, o Estrangeiro com um movimento de ombro consegue dar uma cambalhota sobre si mesmo. O homem, continua, agarrado como uma aranha ao pescoço do Estrangeiro.
Os dois estão, agora no chão, à volta encontra-se tudo espalhado e partido. O Estrangeiro empurra o seu corpo bem como o do seu adversário para trás, não sabe mais o que fazer, está a perder os sentidos. Com a face roxa de asfixia, lágrimas caem pelo seu rosto. No limite das suas forças dá um último empurrão para trás, e, ao fazê-lo, ambos os corpos caem desamparados… pelo alçapão. Em queda o homem é obrigado a soltar o laço do pescoço do Estrangeiro. O corpo do homem ao cair aterra num ferro que está espetado. O corpo do Estrangeiro cai sobre a cabeça do homem e ajuda a espetar o ferro no corpo do adversário. O homem fica com o ferro espetado pela virilha acima; o ferro sai-lhe pelas costas, junto às costelas. O corpo do Estrangeiro, aterra, derreado, no chão.
11. EXT. RUA – MADRUGADA
A chuva cessou. O Estrangeiro sai da cave e surge no cimo da enferrujada escada de ferro. Uma brisa suave e refrescante passa pela cara do Estrangeiro que a inspira. A Prostituta (que vimos na CENA 4) olha-o e lança um olhar sedutor. O Estrangeiro sorri. A cor avermelhada do amanhecer do céu rompe pelos prédios. Os dois caminham, lado a lado, rua acima. A hora é mágica.
FIM