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Como Tem Passado
um argumento de
Ricardo Greenough-Guerreiro
ilustrado por
Mariana Rio
Enviada para lidar com o trauma dos incêndios que avassalaram a região, uma psicóloga receia o impacto da nova cabeleireira na população.
1. EXT. RUA PRINCIPAL – MANHÃ
Passa um tractor. As poucas luzes de rua ainda estão ligadas, mas o céu já vai clareando, crepúsculo matinal. As lojas estão fechadas. Erika (40) segue apressada pela rua acima, vai carregada com uma placa.
Pousa a placa à entrada e abre as duas pequenas portas da loja. Entra e acende as luzes, brancas e brilhantes. Cá fora acende-se um néon cor-de-rosa. Volta cá fora e coloca a placa à entrada. PROMOÇÃO DE INAUGURAÇÃO: PRIMEIRO CORTE GRATUITO!
Ao fundo da rua passa um senhor, Sr. Zé (60), homem do campo, cara marcada de rugas, cabelo escuro e despenteado. Vai andando a olhar para baixo e com as mãos nos bolsos do casaco.
2. INT. SALA DE ESPERA – DIA
Lá fora, vistos pelas janelas, os restos de eucaliptos queimados já vão brotando novamente. O Sr. Zé espera tranquilamente pela sua vez de ser chamado. Vai olhando para um papel também ele enrugado que tem entre as mãos.
DOUTORA (O.S.)
(grito)
Próximo pode entrar!
Sr. Zé levanta-se, dobra o papel e anda em direcção à sala ao fundo do corredor.
3. INT. CONSULTÓRIO – DIA
No meio de uma sala bastante vazia está uma secretária apinhada de papéis e formulários diversos, dossiers e pastas, e um computador. Duas torres de papéis tapam a pessoa que se mexe lá atrás. Ouvem-se papéis a ser revirados.
DOUTORA
Então diga-me lá como está desde
a última vez Senhoooor…
Pausa.
SR. ZÉ
Zé.
De trás dos dois grandes pilares de papéis e do computador, abanando o papel que traz na mão, sai a Doutora (60). Tem cabelo avermelhado e rugas escondidas pela abundante maquilhagem.
DOUTORA
Ah sim, Zé. Encontrei.
Analisa o papel de alto a baixo rapidamente. Enquanto isso vai falando.
DOUTORA
Diga lá então… como tem passado?
Lê algo no formulário que lhe desperta a atenção.
DOUTORA
Ah, trouxe o trabalho de casa?
Zé acena, e mostra o papel que trouxe.
DOUTORA
Então vá, pode ir
começando a ler…
A Doutora afasta-se e olha para o ecrã do computador. O Sr. Zé limpa a garganta antes de começar.
SR. ZÉ
(a ler do papel)
Antes, eu pensava, a casa ardeu,
então eu tenho de construir
outra. Pensava que não podia
pensar muito na situação e tinha
de aceitar a vontade de Deus, não
ficar triste, e andar para a
frente. Também não queria vir
falar com a Doutora porque
pensava que não estava maluco
então não tinha nada para lhe
dizer. Mas depois de vir à
primeira consulta e da Doutora me
ter pedido para escrever qualquer
coisa, e depois de me ter dito
que eu podia ter o trauma, acho
que seria bom ter ajuda para
voltar a pensar naqueles dias dos
fogos, sem problemas e sem medo.
DOUTORA
(enquanto olha para o PC)
Muito bem Sr. Zé. Tem sentido
alguma alteração nos seus padrões
de sono, apetite ou outros
comportamentos?
A Doutora olha para ele. O Sr. Zé encolhe os ombros. Ela volta a olhar para o computador e escreve algo com o teclado.
4. INT. CONSULTÓRIO – DIA
Abrem-se as portas duplas do consultório. Ana (40), assistente, cabelo com rabo de cavalo, ajuda e aponta o caminho para uma velhota que entra. A velhota vem com as suas vestes pretas de luto e sujas do campo. Na cabeça exibe um penteado exuberante, novo, fresco, radiante. A Doutora apanha-a pelo canto do olho enquanto procura um formulário entre os pilares de papéis.
DOUTORA
Bonito cabelo…
Senta-se a olhar para ela.
DOUTORA
Relembre-me o seu nome que não
estou a encontrar a folha.
DONA ODETE
É Odete.
DOUTORA
(a olhar para o cabelo)
E o cabelo quem foi?
DONA ODETE
O cabelo foi a cabeleireira nova,
muito simpática a menina…
A Doutora sorri falsamente.
DONA ODETE
…mas olhe doutora, tenho-me
sentido muito triste. Tenho
sentido um peso tão grande
que não me sai de cima.
A Doutora olha para ela ainda meio a sorrir falsamente, como se olhasse para ela enquanto pensa noutra coisa. De repente acorda.
DOUTORA
Tem sentido alguma alteração
nos seus padrões de sono, apetite
ou outros comportamentos?
Dona Odete abana a cabeça.
DOUTORA
Pronto, olhe, você tá triste,
eu tou triste… mas vamos lá
Dona Odete, fale lá um
bocadinho comigo…
Enquanto fala, a Doutora olha para o relógio de pulso, chega-se atrás e pega no telefone. A Dona Odete fica a olhar para ela.
DONA ODETE
Pronto… os dias têm sido como
os outros, o trabalho lá por
casa, pelo campo…
A Doutora acena enquanto tem o telefone entre o ombro e o ouvido e olha para o computador.
5. INT. SALA DE ESPERA – DIA
A luz avermelhada de final de dia passa sobre as colinas e entra pelas janelas. A Doutora sai do consultório a vestir o casaco apressadamente, cheia de malas e pastas. Atrás do balcão de atendimento, à entrada da sala de espera, está a Ana, a ver vídeos no telemóvel.
A Doutora passa sem dizer nada.
ANA
Desculpe Doutora, ligaram para
saber se podem ser atendidas mais
algumas pessoas amanhã da parte
da tarde?
A Doutora acaba de se compor e vira-se para ela.
DOUTORA
(fala com ar sarcástico)
Oh Ana, então?
Já sabemos como é.
Que venha quem eles quiserem.
ANA
Mas eles pediram para
saber se tinha condições
para mais pacientes.
A doutora aproxima-se do balcão.
DOUTORA
(gesticula com as mãos)
Ana, há quantos anos andamos
nisto? Tou aqui há cinco anos,
cinco! Só, sozinha, a ouvir
velhotes. E tou a fazer o quê?
A Ana está aqui porquê? Tamos aqui
porque tem de ser, porque toda a
gente diz que se preocupa muito,
preocupa muito, mas não se
preocupam nada, não há estrutura
nenhuma. Por isso mande lá vir
quem eles quiserem. Tou-me mas é
borrifando pa isto já é o que é.
A Doutora debruçada sobre o balcão. A Ana não responde.
A Doutora tira um bloco de notas de uma das pastas que leva nas mãos. Abre-o em cima do balcão.
DOUTORA
Diga lá quem são então.
A Ana reage rápido e pega num papel para ler.
ANA
Pronto temos então os de
Canção do Bonjardim a vir depois
de almoço, e de Vale de Penache
a virem ao final do dia,
pelas 18h, se der.
DOUTORA
(enquanto aponta)
Claro que dá! Então não dá.
Isto é uma festa!
Quantos mais, melhor!
A Doutora acaba de escrever, fecha o bloco.
ANA
Então boa noite Doutora.
DOUTORA
Isso! Amanhã há mais!
Vira-se e vai em direcção à saída.
6. EXT. PARQUE ESTACIONAMENTO – CREPÚSCULO
Entra e bate a porta do seu carro vermelho. O carro arranca e perde-se entre as colinas e as hortaliças.
7. INT. CONSULTÓRIO – DIA
Aníbal (45), mecânico, usa um boné preto. Está sentado de olhos fechados na cadeira com costas rebaixadas, de costas para a Doutora, que está com os pés em cima da secretária, encostada na sua cadeira, a comer de um tupperware.
ANÍBAL
…quando penso demasiado nos
fogos, fico com medo. Às vezes
começo a sentir o corpo a
tremer e fico com medo de sair
à rua. Como se quisesse ficar
em casa só à espera que o
próximo aconteça…
A Doutora levanta-se da secretária e anda na sua direcção.
DOUTORA
Vamos lá só aqui perceber uma coisa, meu caro.
Os incêndios…eles vão sempre acontecer,
vai sempre haver incêndios. Não é?
São os cientistas que dizem. Pronto.
Mas pronto, o que interessa aqui é:
o senhor tem limpo os seus telhados?
ANÍBAL
Sim.
DOUTORA
Pronto. Tem a àrea à volta da
sua casa limpa, não é verdade?
ANÍBAL
Sim, limpo todos os meses.
DOUTORA
Pronto então concentre-se nisso,
tudo há-de correr bem, vá.
A Doutora olha para o relógio de pulso. Encaminha-se para a porta do consultório, abre-a enquanto vai falando.
DOUTORA
Concentre-se nessas rotinas
e tudo vai ficar bem.
Aníbal levanta-se da cadeira rebaixada e sai, baixa a cabeça ao passar pela Doutora.
8. INT. SALA DE ESPERA – DIA
Da porta vêem-se várias pessoas sentadas na sala de espera. A primeira, a quem a Doutora faz sinal para entrar, é uma velhota que traz um cabelo exuberante, levantado, volumoso.
DOUTORA
(à porta)
A si acho que nunca tinha visto,
é a primeira vez que cá vem?
VELHOTA
(a sorrir)
Sim Doutora, sempre tive um
pouco de receio, mas ontem aquela
cabeleireira nova muito simpática
convenceu-me a cá vir vê-la.
DOUTORA
(sarcástica)
Ahh foi ao cabeleireiro? Pois
ninguém diria. Vá venha lá daí
que não temos muito tempo.
A velhota entra no consultório e a Doutora fecha a porta.
9. EXT. RUA PRINCIPAL – NOITE
Na escuridão da rua, excepto o cadeeiro de rua lá ao fundo, há luz a vir de uma das lojas. O carro ilumina a estrada com os faróis. A Doutora passa em frente à loja de onde sai luz branca e néon rosa.
É um pequeno cabeleireiro, lá dentro luz branca, uma cadeira e lavatório próprios de cabeleireiro e espelhos grandes. Na parede de lado uma cadeira com secador e ao fundo uns bancos corridos.
Erika corta o cabelo a um velhote sentado na cadeira de cabeleireiro. No banco da parede do fundo sentam-se três velhotas a observar. Uma delas a tricotar.
A Doutora passa de carro, pára e faz marcha atrás para poder olhar lá para dentro.
Sai do carro e aproxima-se da porta, que está entreaberta. Lá de dentro não a vêem.
ERIKA
(fala pt-br)
É, vocês têm que se ajudar,
não é, Dona Emilia? A gente
também tá aqui pra isso, pra
ajudar o próximo, do jeito
que der. Olha, se quiser eu
vou lá com a senhora…
10. INT. CABELEIREIRO – NOITE
Fala uma das velhotas sentadas no banco, a secar o cabelo num secador grande de cabeleireiro.
VELHOTA NO SECADOR
Não, não se preocupe obrigada.
Já ajuda estar aqui a falar.
Já chega irmos àquelas consultas
que nos obrigam a ir. Tanta gente
para uma pessoa só, onde é que
já se viu, a coitada da Doutora
já nem sabe o que há-de fazer,
já não sabe como falar com as
pessoas…
A Doutora lá fora continua a ouvir.
VELHOTA SENTADA NO BANCO
Vamos lá e ela nem tem tempo
para olhar para nós, e quando olha,
Jesus… No outro dia fui lá para
a segunda consulta, depois de três
meses, vejam só, e a verdade é que…
O barulho do carro a arrancar lá fora interrompe a velhota sentada no banco. A Erika vai até à porta para ver.
ERIKA
Tem um pessoal doido
andando aí pela estrada.
Vira-se para as senhoras.
ERIKA
Pronto minhas senhoras vou
terminar aqui que amanhã é
um novo dia, não é assim?
11. EXT. RUA DA ALDEIA – NOITE
Ao fundo desligam-se as luzes do cabeleireiro deixando a aldeia quase às escuras. Silêncio.
12. INT. CABELEIREIRO – DIA
O sol já estoira pelas janelas da frente. Várias pessoas falam
ao mesmo tempo, uma velhota com o cabelo já meio cheio de laca, está na cadeira e fala para trás para as amigas. Alguns velhotes estão em pé perto da entrada e falam lentamente entre si.
VELHOTA
Estou a ligar à minha filha a
dizer para vir. Se sair agora
ainda chega cá a tempo.
A Erika está num canto, tem o telemóvel ao ouvido. As velhotas continuam a falar entre si lá atrás.
VOZ NO TELEMÓVEL
(pt-br)
Alô? Oooi querida, tá tudo bem aí?
Ah, tô aqui na torcida pra essa
abertura dar certo, viu? To orando
todo dia pra isso. Pela fé já deu
certo, amiga! Me liga quando
acabar o expediente pra gente
falar melhor, tá? Tá bom. Beijo.
OUTRA VELHOTA
(enquanto olha para a Erika)
Oh menina, esta promoção, isto
vai ser assim até quando?
Erika inspira fundo e ao expirar vira-se.
ERIKA
(com alegria)
É como tá lá na porta, minha
senhora, o primeiro corte é
de graça, para todo mundo.
Mas volta aqui, a senhora
tava falando das suas netas…
Erika volta ao cabelo da velhota sentada na cadeira de cabeleireiro, agarra na parte ainda flácida de cabelo e na lata de laca que tem à cintura e aplica-a.
VELHOTA
As minhas netas são umas queridas,
pelo menos parecem, nas fotografias
que vou vendo – Sabe que lá onde
elas estão faz muito frio nesta
altura do ano…
Erika ouve atentamente a velhota enquanto mantém contacto visual pelo espelho.
13. EXT. RUA PRINCIPAL – MANHÃ
A Doutora passa de carro em frente ao cabeleireiro e abranda, a maquilhagem que exibia anteriormente já está mais esbatida. Olha lá para dentro. Faz contacto visual com Erika enquanto ela ouve a velhota a falar. Erika olha para ela.
A Dona Odete vem a subir a rua e aproxima-se do carro da Doutora.
DONA ODETE
(a olhar para dentro do carro)
Não vai entrar Doutora?
Toda a gente está a vir…
DOUTORA
(fica confusa, fala a despachar)
Eu não gosto desses sítios!
O carro arranca rapidamente. A Dona Odete fica a olhar.
14. INT. CONSULTÓRIO – DIA
A Doutora senta-se em frente das pilhas de papéis que lhe adornam a secretária. Um senhor senta-se na cadeira em frente a ela. Tem o cabelo seco, castanho, despenteado, nada exuberante. A Doutora começa a andar em círculos à sua volta.
DOUTORA
Então diga-me lá…
ainda não foi ao cabeleireiro?
PACIENTE
Hmm, não doutora.
DOUTORA
Não foi? A esse que está
toda a gente a falar?
PACIENTE
Hmm, não doutora. Eu não tenho
ligado muito ao que as outras
pessoas falam. Eu acho que tenho
de tratar de mim primeiro, antes
de fazer alguma outra coisa.
A Doutora olha para o cabelo do paciente, continua a andar. Ele segue-a com os olhos. Ela pára atrás dele e põe-lhe as mãos em cima da cabeça. Mexe-lhe no cabelo.
DOUTORA
Diga-me lá então,
como tem passado?
PACIENTE
O qué a doutora tá a fazer?
DOUTORA
(continua a mexer)
Então não acha relaxante?
O Paciente afasta a cabeça. Levanta-se.
PACIENTE
Isto não me parece
muito correto doutora.
DOUTORA
(exaltada)
Mas o que é que você tem de
achar ou não? Sente-se lá homem.
PACIENTE
Isto não me parece nada bem.
O Paciente começa a andar para a porta. A caminho vai falando para si.
PACIENTE
(fala para dentro)
Sabia que não devia ter vindo,
isto não é para mim… epá
devia fazer as coisas que
penso e pronto…
Abre a porta, sai e encosta-a.
15. EXT. RUA DA ALDEIA – FIM DE TARDE
A Doutora passa de carro por uma das ruas transversais à principal. Maquilhagem já vem borrada. Vira numa esquina e passa por uma janela de uma casa com cortinas fechadas, lá dentro dá para ver uma silhueta de uma velhota, sozinha, sentada a tricotar, a televisão está ligada ao fundo.
Pára o carro. Quando sai lá de dentro caem-lhe uns papéis no chão. Rapidamente atira-os para dentro do carro, compõe-se e encaminha-se para a porta da casa. Toca à campainha. Uma velhota abre-lhe a porta, tem cabelo cinzento e branco, nada exuberante, e veste-se totalmente de preto.
VELHOTA
Diga menina.
DOUTORA
(voz muito serena)
Olá minha senhora, como está?
Toquei apenas para ver como
estava e se está tudo a correr
bem, se podia ajudar em
alguma coisa…
VELHOTA
Está tudo bem Graças a Deus
filha, não preciso de nada.
Mas muito obrigado por
perguntar, é muito gentil.
DOUTORA
Não tem de quê minha senhora.
Se precisar de alguma coisa é só
dizer, eu vivo aqui na aldeia, não
sei se me reconhece, sou aqui a…
A velhota interrompe a Doutora.
VELHOTA
Ah, a menina é aquela nova
cabeleireira que está tudo a
falar? Diz tudo que é muito
simpática a menina. Obrigado.
A Doutora perde o sorriso forçado que traz na cara.
DOUTORA
Passe bem minha senhora.
Entra no carro e arranca.
16. EXT. RUA DA ALDEIA – NOITE
Vêem-se só as ruas da aldeia. Alguns cães ladram. Depois silêncio. BANG. Ouve-se uma janela a partir ao fundo. Cães começam a ladrar desalmadamente. Segundos depois ouve-se um carro a arrancar.
17. INT. SALA DE ESPERA – DIA
Não está ninguém na sala. A Doutora entra, cabelo despenteado, sem maquilhagem. Passa pela entrada para o consultório a arrastar um secador de cabelo grande. Sai a correr e entra novamente a arrastar um lavatório. Entra no consultório e fecha as portas.
18. INT. CONSULTÓRIO – DIA
A Doutora vai até à porta rapidamente. Abre a porta um pouco e põe a cabeça lá para fora.
DOUTORA
O primeiro paciente
faça o favor de entrar!
Ao entrar, o primeiro paciente pára e faz uma cara de surpresa.
DOUTORA
Vá entrando vá entrando, vá…
19. INT. SALA DE ESPERA – DIA
O mesmo paciente passa em frente ao balcão onde está a Ana, com o cabelo todo molhado, a pingar. Ela olha com estranheza.
DOUTORA
(grita lá do consultório)
Pode entrar o próximo!
20. INT. SALA DE ESPERA – DIA
A cabeleireira Erika entra. Vem acompanhada por dois agentes da polícia. Algumas velhotas que estão sentadas na sala de espera, com os cabelos exuberantes, olham para ela, sorriem e acenam contentes de a ver. Erika acena de volta, mas vai directa ao balcão da Ana quando a vê. Fala com a Ana, de longe não se percebe o que dizem. Erika chama os polícias. A Ana fala com eles e aponta para o consultório ao fundo do corredor.
21. INT. CONSULTÓRIO – DIA
A Ana, Erika e os polícias, entram no consultório. A Doutora está a lavar o cabelo a uma senhora. Tem um salão de cabeleireiro improvisado montado no espaço em frente à secretária cheia de papéis.
A Doutora pára de repente ao ver toda a gente entrar. Com as mãos cheias de champô, aponta para Erika.
DOUTORA
Ela é que os anda a roubar de mim!
Eles têm é que vir falar comigo,
aqui é que eles vão ficar bem.
Polícias andam na sua direcção.
22. INT. SALA DE ESPERA – DIA
Vemos cá de fora a Doutora a encaminhar-se para as pilhas de papéis enquanto os polícias vão lentamente na sua direcção. Começa a folhear e ler das folhas.
DOUTORA
(enquanto lê das folhas)
Todos eles! O Zé, a Arminda,
a Natália, a Raquel, a Gorete,
o Inácio, a Gertrudes, o Alberto,
a Gabriela, a Jacinta, a Otília…
Os velhotes e as velhotas na sala de espera levantam-se para tentar olhar para dentro do consultório. Lá dentro a Doutora continua a dizer nomes que lê das folhas e os polícias chegam mais perto. A câmara afasta-se da confusão.
FIM
RICARDO GREENOUGH-GUERREIRO
Ricardo Greenough-Guerreiro (1993, Manchester, UK) nasceu em Inglaterra, mas cresceu em Portimão, no Algarve. Uns anos passados, regressou ao Reino Unido onde estudou cinema, em Liverpool e na Farnham Film School – UCA.
Entre 2013 e 2022, para além de estudar cinema e trabalhar com vídeo, filmou e realizou algumas curtas-metragens. O documentário “Pena de Anamão”, um retrato do Alto Minho, feito no âmbito da residência do festival Filmes Internacional de Documentário de Melgaço; realizou “Plataformas e Seguranças”, um documentário e uma viagem pessoal acerca da vigilância CCTV; “O Último Amolador de Tesouras”, documentário estreado no Fantasporto15, “Memoirs”, a história de um escritor solitário que lida com a frustração de viver com os seus heterónimos na sua loja de espelhos e “Última Hora”, curta-metragem que conta a história de Jacinto, um senhor a quem é finalmente dada a oportunidade de aparecer como notícia de última hora.
Realizou peças de vídeo arte; como “Sardinhas em Petróleo”, um vídeo instalação acerca da prospeção de petróleo no sul de Portugal, e “A Carta”, projeto de vídeo e instalação feito com base na recolha de palavras pela cidade e na construção de uma vídeo carta de amor.
Trabalha também como assistente de câmara ou edição e filma telediscos e vídeos promocionais. Com o coletivo PÁTIO faz projetos de cinema, arquivo e vídeo arte e é programador e produtor do Cinema no Estendal, festival itinerante de curtas-metragens.